A Ceia em Emaús

A Ceia em Emaús

A Ceia em Emaús

COSTA, Thiago Augusto Pestana

 

Introdução

 

            Tendo em vista a História, é bom que nos atentemos que esta ciência encontra possibilidades de se inserir em tudo aquilo pelo qual o homem esteve participando. Sendo assim, as narrativas históricas cumpriram seu papel – e ainda contribuem – até que uma forma mais flexível de enxergarmos a História passou a ser utilizada. Nesse sentido, o historiador pode se inclinar desde o paleolítico e a chamada arte rupestre para compreender como os homens entendiam seu espaço, no que acreditavam e o que faziam a exemplo nas cavernas de Lascaux na França, Altamira na Espanha ou no Parque Nacional da Serra da Capivara (Piauí - Brasil) onde a pesquisadora Drª. Niède Guidon se dedica a mais de 35 anos. A História da Arte busca examinar o contexto histórico e suas respectivas formas de representação a partir daquilo que os agentes históricos e artísticos produziram no seu tempo e espaço. Este breve artigo busca examinar um dos grandes mestres barrocos Michelangelo Merisi da Caravaggio nascido em 1571. Quanto a sua morte ainda é uma incógnita, pois o pintor teve uma vida bastante turbulenta permeada de altos e baixos, sobretudo com a Igreja Católica.

            A cena pintada por Caravaggio retrata o livro bíblico de Lucas 24. Eis que levando as especiarias para o sepulcro onde Jesus estava Maria – mãe de Tiago –, Joana e Maria Madalena se defrontaram com dois homens que disseram: “Por que buscais o vivente entre mortos?” (LUCAS, 24:5). Adiante, os anjos relembraram as três mulheres sobre o que havia dito Cristo na Galiléia, ou seja, que ressuscitaria ao terceiro dia. Ao sair dali, foram contar as boas novas aos apóstolos que entristecidos com a crucificação do messias foram incrédulos acreditando que esta notícia era falsa ou fruto da desilusão da perca do grande Mestre.

            No caminho da cidade de Emaús, Cléopas e – segundo alguns historiadores – Pedro conversavam com tristeza sobre os fatos ocorridos com Jesus. Foi quando então uma pessoa se aproximou dos dois e começou a dizer dos bens feitos e ensinamentos dados pelo messias. Este homem ao conversar com os discípulos de Cristo começou a de certa forma criticar em um primeiro momento sobre a descrença daquilo que os profetas diziam. Retomou as sagradas escrituras desde Moisés e ao chegar à cidade deu a impressão que seu destino estaria mais adiante e despedindo-se foi convidado pelos apóstolos que de certa forma se sentiram constrangidos pelo que este havia falado com tanta propriedade sobre o assunto em voga. Alegando que o sol já se punha os apóstolos convenceram o homem a ficar com eles.

            De fato, este é o exato momento em que Caravaggio recortou para sua obra na qual ao partir o pão na mesa eles descobrem que aquele que os havia acompanhado era ninguém menos que o próprio Cristo. Na iconografia – aquilo que eu descrevo (icono = imagem; grafia = escrita) na obra de arte tanto em pinturas quanto em esculturas – da obra temos a disposição: quatro pessoas, – nesta primeira versão, pois o pintor teve que trabalhar em outra que melhor agradasse a Igreja Católica – um cesto com maçã, uvas brancas e pretas e romã, na mesa temos pão, vinho e um frango.

            Pois bem, vamos à iconologia (o poder simbólico, o que quer dizer em termos mais aprofundados) da obra. Ao centro com um rosto diferente do usual por inúmeros pintores, sobretudo renascentistas, a forma arredondada e a ausência da famosa barba são representadas pelo artista como Cristo. Nota-se que diferentemente dos demais que por sua vez optam por colocar um halo dourado na cabeça do personagem o círculo que circunda a cabeça deste é preta simbolizando a dor da crucificação, a fase obscura que o chamado cordeiro de Deus passou. Do lado direito de Cristo vemos Cléopas em um movimento brusco que nos remete ao levantar da cadeira provavelmente pela admiração e entusiasmo de ver seu Mestre novamente. Do lado esquerdo, provavelmente Pedro com seus braços abertos nos convida para a lembrança reflexiva da cruz, e em seu colo, um pano com um nó simboliza o laço ou nó dado por Cristo com a humanidade.

            Destarte, a cesta de frutas nos é apresentada como que quase caindo da mesa o que nos faz pensar em que tudo que fora dito e ensinado por Cristo pode ou não ser absorvido pelos seres humanos, ou seja, pode ficar na mesa e ser recebido com bom gosto ou pode ser negado ao deixar cair no chão. A maçã simboliza o pecado original, o fruto dado por Eva à Adão por influência da serpente. Lembremos que não é descrito nas escrituras que tal fruto era o da árvore do conhecimento, porém, se o pintor optasse por uma melancia ou qualquer outra fruta a composição do sentido seria outra. No demais, o romã simboliza a paixão de Cristo e suas sementes distribuídas de maneira uniforme nos remete a perfeição natural e seu sulco vermelho pode nos levar a assimilar ao sangue de Cristo. As uvas pretas significam a dor, a morte de Cristo, já as brancas, a ressurreição. O frango no centro da mesa é o símbolo da ave e nesta conjuntura, as aves estão tanto no céu quanto na terra, e deste modo, assim é Cristo, está tanto no céu quanto na terra, é a união entre o celeste e o terreno. O pão dispensa demais comentários, pois simboliza o corpo de Cristo, assim como o vinho representa seu sangue.

            Repare que a mão de Cristo está levantada e isso quer dizer que o messias estava falando. De canto entre Cristo e Cléopas este o dono do estabelecimento que possivelmente não figura nenhuma descrição que não a de proprietário do local onde se sentaram e que tudo acontece. Eis que após este fato disse aos apóstolos que em:

 

Seu nome se pregasse o arrependimento e a remissão dos pecados, em todas as nações, começando por Jerusalém. E destas coisas sois vós testemunhas. Eis que sobre vós envio a promessa de meu Pai; ficai, porém, na cidade de Jerusalém, até que do alto sejais revestidos de poder. E levou-os para fora, até a Betânia; e, levantando as suas mãos, os abençoou. E aconteceu que, abençoando-os ele, se apartou deles e foi levado ao céu. E, adorando-os eles, tornaram com grande júbilo para Jerusalém. E estavam sempre no templo, louvando e bendizendo a Deus. Amém. (LUCAS, 24; 47-53).

 

            Posto isso, o grande mestre Caravaggio pôde sem dúvida sintetizar com extrema proficiência os relatos bíblicos citados neste artigo. Através de uma imagem podemos perceber em um primeiro momento que nada poderia fazer sentido e que na verdade tudo neste contexto fez sentido. Quando nos sentimos curiosos e pesquisamos sobre o que aflige nossos pensamentos damos um salto gigantesco para o aprendizado contribuindo para nossa formação escolar, acadêmica e pessoal. É neste sentido em que me posicionei diante desta referencial obra. Partindo de pesquisas produzidas por especialistas que dedicam sua vida para o fomento do saber. A História, que por conseguinte neste estudo foi a da Arte ultrapassa as narrativas e busca contemplar a interdisciplinaridade das ciências tornando as coisas em seres dando vida a este exímio e satisfatório exercício das Ciências Humanas.

 

 

 

 

Referências Bibliográficas

BOTTON, Flávio Felício. Que enigma havia em teu seio: ensaio sobre as artes plásticas e literatura. São Paulo: Todas as Musas, 2012.

SANTOS, Maria G. V. P. dos. História da arte. 1ª ed. Campinas: Ática, 2013. (PLT 574–Anhanguera).
 

Referências Virtuais 

 

Bíblia online. Disponível em: https://www.bibliaonline.com.br/acf/lc/24; Acesso em 01 abr. 2016.

 

Biografia - Caravaggio (1571-1610). Luzes e sombras, na vida e na obra. Disponível em: https://mestres.folha.com.br/pintores/12/; Acesso em 05 abr. 2016.

 

CITTON, Luiz. No Piauí, maior acervo de pinturas rupestres do mundo sofre com o poder público. Disponível em: https://viagem.uol.com.br/ultnot/2009/03/05/ult4466u527.jhtm; Acesso em 01 abr. 2016.

 

PANOFISKY, Erwin.
Iconologia e Iconografia: uma introdução ao estudo da arte na renascença. In.: Significado nas artes visuais. São Paulo Perspectiva, 1976. pp. 47-87. Disponível em: <https://www.academia.edu/4722881/PANOFSKY_Erwin_Iconografia_e_iconologia_uma_inrodu%C3%A7%C3%A3o_ao_estudo_da_arte_da_renascen%C3%A7a_in_significado_nas_ artes_visuais._S%C3%A3o_Paulo_Perspectiva_1976._p_47-87 >.

Acesso em: 03 mar. 2015. 
 
COSTA, Thiago Augusto Pestana da. Educação, espelho da sociedade ou reflexo da mídia? CONIC SEMESP – 14° Congresso de Iniciação Científica - 2014. Disponível em: https://semesp1.tempsite.ws/semesp_beta/conic-semesp/; Acesso em 14 mar. 2015.
 
SALDANHA, Nuno. Arte Popular, Arte Erudita e Multiculturalidade. In.: MATOS, Artur Teodoro de; LAGES, Mário Ferreira (coords). Portugal: percursos de interculturalidade. Lisboa: Paulinas Edtora, 2008, pp. 106 - 154. Disponível em < file:///C:/Users/Ana%20Paula/Downloads/Arte_Nuno_Saldanha.pdf >.

Acesso em: 10 mar. 2015.

Web Gallery of Art. Disponível em: <https://www.wga.hu/index.html>. Acesso em: 15  mar. 2016 .