Configuração Cultural e Política da Modernidade

Configuração Cultural e Política da Modernidade

Configuração Cultural e Política da Modernidade

COSTA, Thiago Augusto Pestana.

    Houve no homem da Idade Moderna, a necessidade de retomar algumas características, sobretudo culturais dos povos da antiguidade. Esta fase foi chamada de Renascimento, algo que de certa forma fazia com que o período medieval fosse superado por uma nova proposta cultural. O homem sentiu a necessidade de renascer das cinzas assim como a fênix mitológica. A Idade Média como bem sabe, foi chamada de Idade das Trevas, porém, há de se ressaltar que os mosaicos das Igrejas e as construções góticas do período não dão sinal de um período tão obscuro assim. O fator teocêntrico que compunham a mentalidade dos homens deste período, não obstante, vão dar lugar ao mundo antigo onde a Grécia e a Itália engendraram fortes laços no mundo moderno ocidental. Dar continuidade aos processos a partir de novas interpretações era uma ideia mais conveniente, no entanto, a busca pelo espírito, em sua essência do italiano na antiguidade supria os anseios dos homens modernos. Este é um momento da História que Burckhardt nos convida a conhecer. É necessário evidenciar que o termo Itália como país unificado será utilizado apenas no terceiro quartel do século XIX e ao ser mencionado o país, é porque o autor se apropriou da palavra e a utilizou em sua obra.    

    Em um contexto de tradições, as classes sociais existentes à época fazia com que os mais eruditos ou os chamados cultos fossem privilegiados no contato com a cultura de modo geral, excluindo evidentemente os populares. Fora da península itálica, a retomada aos elementos da antiguidade se dava de também de forma erudita, mas não difundida em todos os campos, porém, no seio italiano, os temas da antiguidade se davam tanto pelos eruditos quanto populares, uma vez que refletir a antiguidade significava para eles ter de volta o contato com sua própria história. A divisão social, em suma, não fazia com que o acesso aos livros, por exemplo, fossem restringidos apenas às elites como bem diz o autor acerca da leitura dos poemas de Tasso. No século XIV, a organização de uma sociedade municipal italiana se fez necessária e viável a época, graças à equiparação social entre a burguesia e a nobreza que com a disponibilidade de tempo, largava a ociosidade para começar a se educar. Nesse sentido, era importante para o homem moderno abrir sua mente perturbada com as quimeras medievais que assombravam se espírito. O caminho para que pudesse ser realizado este aprendizado estava no empirismo, e a antiguidade clássica parecia ter as respostas a tais perguntas. Era dali que o homem ia saciar sua sede intelectual.

    O intuito dessa proposta era fazer com que a História de sua nação pudesse ser disseminada em todo o mundo ocidental. Prova disso é o enaltecimento das muralhas de Roma descritas por Dante ou a descrição feita pelo cronista em 1443 sobre a beleza das ruínas de Roma em relação às construções que ele observa. As ruínas de Roma e as escavações neste momento têm tanto valor histórico quanto os documentos deixados pelos homens da época. O papa Nicolau V esteve incumbido de reestruturar a cidade, porém, preservaria as ruínas por respeito à História da cidade. Pio II, não se prestou a dar tanta atenção às antiguidades de Roma, e sim, admirava nos demais espaços da península itálica os monumentos do período clássico e cristão, assim como o esplendor da natureza. Este papa por sua vez, pede aos seus a retomada do latim clássico, e no seu discurso em Viterbo deixou evidente sua honra ao anunciar sua genealogia romana.

    Nas escavações, o saque na suposta tumba de Júlia da família Claudiana fora saqueada e o corpo levado ao Capitólio, objetos encontrados nas escavações remontam a antiguidade e despertam interesse. Rafael a serviço do papa Leão X executa a restauração de Roma para preservar sua história, por fim, a arqueologia ganha status de ciência correspondendo os anseios dos homens que passam a valorizar estas práticas. A procura de estrangeiros por Roma se dá sob a sensação sentimental onde, por exemplo, era possível conhecer o local de onde Cícero proferia seus discursos, assim como, ao visitar um templo eu possa atribuir valores sentimentais à divindade que para este fora construída.

    Em função disso, é chegado o momento onde os autores da antiguidade demonstram sua contribuição para a humanidade. No primeiro momento onde Roma era admirada por suas ruínas e consequentemente sua história era dita por elas, neste momento, os escritos ganham vulto onde o grego e latim deixa sua marca. Os livros tomam apreciáveis proporções e com o patrocínio da Igreja e da burguesia, a reprodução a partir da compilação e tradução promove acesso aos textos de maneira mais flexível aos argutos leitores que agora dispunham de uma tradução de Aristóteles e de Plutarco entre outros do grego. Tamanho é a admiração pelos clássicos que Petrarca possui um exemplar de Homero em grego, mas não compreende uma só palavra no idioma. Há que se destacar Boccaccio que ficou incumbido de traduzir – e assim o fez – a Ilíada e Odisseia para a língua latina. O capricho na caligrafia italiana era uma imposição papal.

    Poesias pagãs entram na atmosfera clerical rompendo os preceitos temáticos encontrados durante a Idade Média. É o Humanismo que chega e coloca o antropocentrismo à baila. Isso não significa que o teocentrismo fora abandonado ou negado, pelo contrário, podem compor um amálgama como, por exemplo, na pintura dependendo do recorte que o artista pretende retratar. Seja quem for, poetas e filólogos a grande valorização se dá no latim clássico. É nesse sentido que Dante é criticado por não reproduzir A Divina Comédia em latim, e o mesmo afirma ter chegado até o Inferno em sua tradução.

    A educação acadêmica segue por influência dos humanistas nos séculos XIII e XIV. As três primeiras cátedras eram compostas pelo direito canônico, civil e medicina, abrindo mais tarde os cursos de astronomia, retórica e Filosofia. Quanto maior as experiências do docente acadêmico com a Antiguidade, melhores eram suas possibilidades de emprego. Na educação básica, a valorização do latim era uma constante assim como o cálculo e a lógica, mas a primeira merece destaque. A organização da escola pública (Municipal) e privada se dava por humanistas sem depender das instituições religiosas. Difundindo o Humanismo estavam os mecenas tanto da burguesia quanto da Igreja Católica.

    Lembremos, que em determinado momento da modernidade, o homem foi à antiguidade grega e romana e de lá resgatou os nomes dos grandes personagens da História para o uso comum entre os seus. O poder da oratória em latim como no caso de Pio II causava entusiasmo e admiração. O rigor técnico na escrita latina em poemas sáficos e hexâmeros compõe a cultura humanista na escrita, sobretudo quando estes retomam a mitologia da antiguidade ou narram às batalhas épicas. Um simples epitáfio poderia demonstrar a grandeza do sucumbido por um lado e por outro o prestígio do poeta que escrevera o epigrama.

    Por fim, declarar o fim do Humanismo era afirmar que o cristianismo era melhor que a mitologia. A propagação dos livros clássicos da antiguidade impressos pelos Humanistas foi o estopim para a o enfraquecimento do movimento. Diante disso, a Contrarreforma tinha todo interesse em aniquilar essas influências pagãs e tendenciosas, sobretudo no amálgama dos temas da antiguidade com o cristianismo que encontramos em muitos artistas renascentistas que tinham consigo uma bagagem cultural totalmente interdisciplinar de onde pudesse expressar sua visão de mundo. Uma visão dogmática exacerbada da antiguidade poderia fragmentar seu trabalho, pois a razão era algo consubstancial atrelado às tendências que emergiam na época. Com a posição da Igreja no embate aos humanistas, nem tudo foi exterminado ou esquecido. É o caso das peças de teatro de Leto que retoma a antiguidade a partir de Plauto, além disso, é celebrado anualmente o aniversário da fundação da cidade de Roma, que como sabemos foi também realizado na Grécia na descrição de Fustel de Coulanges em A Cidade Antiga. Paulatinamente, o latim dito como a língua por excelência dos eruditos fora substituída pelo italiano nas poesias, assim como os humanistas começaram a perder o controle nas academias diante das imposições da Contrarreforma.

    Sabendo que o arcabouço histórico da Contrarreforma foi um movimento estratégico da Igreja Católica de se consolidar com prestígio dos tempos precedentes, cabe aqui ressaltar segundo Jean Delumeau o que foi a Reforma Protestante e sua influência na Idade Moderna.

    Segundo os reformadores, a causa da Reforma consiste do descontentamento por estes em relação aos clérigos da Igreja Católica. Não obstante, um padre era por si um representante da Igreja, por conseguinte do cristianismo, pó isso, deveria ser um exemplo no que se refere à conduta comportamental sem se desviar da moral e dos bons costumes, sobretudo daqueles embasados nas escrituras bíblicas. As correntes iluministas também entrariam em conflito com os dogmas da religião onde o discurso transitaria em águas turvas quando debatido a razão em relação à fé, a ciência em relação à religião. O homem deveria ter acesso, segundo estes à interpretação da Bíblia, uma vez que era o clero quem fazia isso, deveria ter a liberdade de consciência religiosa, e no caso do rei absolutista influenciar uma determinada religião aos súditos, a mente humana do indivíduo poderia não ser corrompida. A ideia de Reforma como um processo de modernização elencada por Hegel partia do pressuposto de rompimento com as tradições hegemônicas eclesiásticas. Era chegado o momento de falar o que ninguém conseguira durante toda a Idade Média. O insucesso do controle papal se justificava com a ideia de que este não fazia por onde ser o representante de Deus.

    No plano das mentalidades, o pecado do homem era tido como explicação das tragédias, e o sentimento de culpa fazia com que fossem proferidas blasfêmias do rico e do pobre e uma conduta dessa era passível de crítica da Igreja que buscava punir seguidores de satã. O Humanismo ia de embate à teologia Na arte, temas como O Juízo Final de Michelângelo ou outras de cunho apocalíptico continham os anseios infames. A morte é um tema recorrente nas obras Arte de modo geral. Diante deste pavor, o homem buscou sua salvação individual. A Paixão de Cristo é interpretada para lembrar a misericórdia de Deus e como possibilidade de se libertar do pecado. Procurava-se refúgio nos braços de Maria que consequentemente ganhou vulto da devoção na sua figura maternal. O poder simbólico – e religioso – era atribuído aos santos e santas da Igreja Católica catalogados pela hagiografia. Buscavam-se garantias no pós-morte ao venerar os santos, cada um com uma especificidade. Toma espaço no seio da Igreja as chamadas indulgências. Ora, o cristão temeroso buscou meios de comprar a salvação e a Igreja com estas legitimam um aparente conforto em seus corações aflitos. A conduta de alguns padres fazia com que os leigos não diferenciassem ao certo o sagrado do profano, pois era um amálgama do sujo com o limpo. Na conspurcação de solo sagrado, hinos e citações litúrgicas levianas, quebra do voto celibatário, era o que comumente alguns padres faziam em meio à sociedade comum de onde frequentavam entre outros as tabernas onde se embriagavam e dançavam com as aldeãs. Este tipo de conduta foi criticado pelo bispo de Basileia e muitos outros que zelavam pela ordem eclesiástica. Reis da Suécia e Dinamarca, assim como os príncipes alemães estavam mais interessados na Reforma no intuito de renovar a Igreja a partir do sentimento cristão, do que almejar estratégias de interesse político e econômico. Os dissabores da população eram quando viam papas com vida de príncipe, acumulando cabedais que eram gastos por Roma com futilidades. Não se trata somente do descrédito em relação aos padres, e sim, na dúvida do cristão em relação a este.

    Com a chegada do livro, a ideia consiste em que Deus fala com qualquer um sem restrições de classes. O pobre não sabe ler, já a elite não só sabe como aprecia as leituras, sobretudo de literaturas. A descoberta da impressão faz com que mais livros entrem em contato com o homem. Saber ler e traduzir a Bíblia para línguas vernáculas eram democratizar o acesso à livre interpretação das escrituras. A interpretação da Bíblia de forma individual levava o leitor às suas próprias conclusões, e o padre, que fora o detentor da palavra, caía cada vez mais em descrédito por suas atitudes em relação à moral e os bons costumes. Consultar o padre ou assistir uma missa passou a ser cada vez mais desnecessário. O protestantismo fez com que Roma repensasse sua Teologia no intuito de não perder fiéis do seio da Igreja Católica para os reformadores e suas ideias diferenciadas.

    Mediante a este contexto, a visão marxista atribui as causas da Reforma sob questões econômicas, porém, a teoria não é suficiente uma vez que a Itália dos séculos XIV e XV já exerciam atividades visando o lucro. Eis o anacronismo de Marx. Os historiadores Oscar e Bargallo acreditavam que a Reforma foi uma transição dos sistemas econômicos que fez com que a Igreja Católica, ligada a terra, e detentora da maior parte dela, criasse uma égide nos seus domínios. Viam na ascensão da burguesia – e do capital agora em espécie – um perigo eminente aos seus interesses das organizações. As Igrejas tiveram que se posicionar diante deste fluxo no que ficou nítido na manobra da Contrarreforma. Para Hauser a Reforma se dava com todos os elementos sociais intrínsecos, ou seja, na economia e religião durante o processo, e ainda propôs uma visão de adesão ao protestantismo não só dos populares, mas também, da monarquia que desatou seu laço com Roma. Aqui o autor sugere que Engels viu a Reforma como uma fragmentação do feudalismo, e que tanto Lutero quanto Müntzer, surgiram no momento de transição do feudalismo para o capitalismo, resultando assim em uma religião protestante sob o viés burguês. A Reforma atingiu todas as classes sociais. O autor diz que no séc. XVI houve revolução religiosa e não econômica. A Itália do período da Reforma era considerada uma das maiores potências da Europa. Isso se deve na medida em que os negociantes estavam por dentro das relações comerciais com o Ocidente de forma evidente e a burguesia dispunha do acúmulo de capital em poupança os tornando opulentos.

    Outra crítica do autor à visão marxista se baseia na ótica em que, se o protestantismo engendrou um processo de aceleração econômico – com o comércio e acúmulo de capital em poupança – a Itália que era a mais moderna e desenvolvida nas questões econômicas não compartilham da presença protestante neste assunto devido a sua permanência com os laços da Igreja Católica. Ora, fora o papa Leão X filho de um banqueiro quem excomungou o protestante Lutero. Se a Itália era a grande potência comercial, ali deveria ter tido adesão ao protestantismo e não na Alemanha e Suíça economicamente atrasados em relação à Itália. Os Fuggers no séc. XVI eram católicos exceto um dos membros da família. Genoveses, florentinos e espanhóis também foram fortes "mercadores" no que se refere aos sistemas econômicos da Europa no início do séc. XVII. As minas de alúmen a 80 km de Roma fizeram do espaço geográfico católico um negócio rentavelmente capitalista com toda a Europa a partir da indústria católica. Para Lutero, o êxito na Reforma, seria através de uma revolução social. Sobre os cavaleiros, nem todos aderiram ao protestantismo. A afirmação dos sete sacramentos ia de embate a Lutero que fora protegido por Frederico, O Sábio e perseguido por Roma.

    Vale ressaltar, que a Reforma almejava suprir a fome de Deus que a Igreja não saciava. No início, a Reforma não recebeu apoio ou influência política, era de fato, um movimento movido pela fé no intuito de difundir e reinterpretar a religião, sobretudo com o descontentamento de Lutero ao chegar a Roma e ver o quão maculado estava. Por mais que tentassem denegrir a imagem do monge, não conseguiam encontrar provas que depreciassem sua imagem. Foi necessário recorrer à psiquiatria para tentar encontrar respostas, e esta, afirmava que o motivo que levou Lutero para a vida eclesiástica era o rancor do pai alcoólatra e o amor incondicional por sua mãe. Compararam a este com o transtorno de Édipo. Eis a influência do Renascimento e do Humanismo. A quebra do celibato foi uma grande transgressão do monge na visão católica. Outro fator determinante era a prática de empréstimo. Usura era pecado e as atividades profissionais desta eram proibidas.  As restrições empregadas no Concílio de Latrão afirmavam que o lucro não deveria vir se não houvesse riscos ou efetivo trabalho para aquisição destes cabedais. Para Weber o homem estava inserido na teoria de predestinação. Calvino, por conseguinte critica aqueles que enriquecem a custa dos pobres e que o dinheiro deve ser usado com moderação. As perseguições religiosas que engendraram as migrações e não a busca por terras cultiváveis. Juntamente com o homem está à virtude, e esta emanada por Deus que o capacita com habilidades e disciplina mediante as suas responsabilidades. A Contrarreforma não foi assumida pela Igreja, porém, não via a Reforma com bons olhos trazendo à baila a Inquisição criando também a Companhia de Jesus devido às grandes navegações que possibilitam o recrutamento de mais fiéis.

    Diante das questões econômicas, religiosas, culturais e políticas da modernidade, o fortalecimento da burguesia nos séculos XII e XIII merece destaque, sobretudo porque é a partir desta chamada Baixa Idade Média que começa a transição propriamente dita deste período para a Idade Moderna. Foi engendrado na figura do rei o poder absolutista, de onde teóricos como Hobbes, Bodin, Bossuet e Maquiavel levantam suas teorias a respeito. É nesta chamada “sociedade de corte” por Norbert Elias que será encerrado todo este processo.

    Ser civilizado neste momento era uma questão a ser desenvolvida e reformulada, sobretudo pela tradição da era medieval que ao ver do homem moderno se tratava de uma conduta rústica que não se moldam neste contexto social. O status era o prestígio desta nova sociedade e a delicadeza no tratamento e nos costumes faziam parte da rotina desta sociedade. A França foi o molde a ser seguido. Era necessário, pois olhar o outro e ser visto, colocar em prática às normas de etiqueta como o uso dos pronomes de tratamento e o uso dos talheres dispensados durante períodos precedentes. São estas as características encontradas em uma sociedade de corte onde os moldes para a configuração de um Estado começam a se formar em volta de um líder, ou seja, do rei absolutista. A aproximação da burguesia a este governante era pautada no interesse pessoal ou naquilo que este poderia fornecer como vantagem através de acordos pacíficos. Com as grandes navegações, o comércio passou a ter outras proporções e a circulação da moeda favoreceu a burguesia que acumulava riquezas. Destarte, para o rei que era o centralizador do poder, auferir tributos era a forma de adquirir seu quinhão nos negócios, e quanto mais se arrecadava, mais possibilidades de poder emergiam, sobretudo ao consolidar sua proteção através da contratação dos exércitos mercenários, uma vez que a cavalaria estava obsoleta no que se refere aos instrumentos de batalha. Posto isso, houve um processo de desarmamento da nobreza como estratégia do rei para deter o monopólio das armas no intuito de evitar insurreições. Justifica-se aqui a presença dos nobres cavaleiros prestando serviço ao suserano. O rei arquitetava sua estratégia enfraquecendo a nobreza de certa forma para que sua hegemonia não fosse comprometida.

    Assim sendo, a terra que durante toda a Idade média foi à fonte de opulência dos senhores feudais, agora passam a ser parte de uma história de lutas e conquistas por parte do monarca, ou seja, era necessário sobrepujar os grandes proprietários para efetiva consolidação do poder. Conquistar territórios não significava apenas aumentar seus cabedais, era preciso também consolidar seu poder militar e econômico para evitar que rivais tomassem seus bens colocando as propriedades e a organização guerreira sob o comando de outra família. É o caso do monopólio dos Capeto devido à suas conquistas e poderio militar. São as casas ricas com forte exército de guerreiros que vão sobreviver e consolidar sua hegemonia política, social, econômica e militar. A conquista do micro para o macro espaço geográfico. Essa era a intenção depois de estabelecer segurança para si e para a família do monarca. Uma vez conquistado todos os campos que cercam os domínios do rei, a necessidade de expansão e dispersão do seu poder torna-se natural. Tais consequências de tomadas de territórios fragmentava a hierarquia de posse das famílias. Se a dominação territorial na Inglaterra e na França se deu de forma diferente do Império Romano-Germânico, foi pelo simples fato de que os primeiros eram menores geograficamente em relação ao segundo, ou seja, a partir do momento que era consolidado o poder em um espaço pequeno, não seria pertinente para uma Casa sentir-se acomodado. A fortificação militar e os recursos econômicos propunham uma continuidade na expansão de seu território. Ora, fica evidente que conquistar um espaço como a Inglaterra e França não são o mesmo que conquistar o Império Romano-Germânico com proporções territoriais bastante extensas. O poder do governo ao restringir o acesso às armas aos indivíduos poderia de certa forma gerar um descontentamento político, causando levantes contra o governante. É necessário um equilíbrio constante, uma vez que a quebra do monopólio resultaria na queda do rei, seja este dos tributos ou da coerção física. Os fracos que sozinhos não conseguem dispor de forças para derrubar o monopólio de um superior juntam suas forças com os demais inferiores para derrubar o mais forte, porém, no caso de atingirem êxito, as lutas passam a ser entre si para que apenas uma força seja a detentora do poder. A união segue no primeiro momento o interesse coletivo em superar as forças do mais forte, em seguida, é necessária a luta de um contra o outro no intuito de solidificar seu poder ficando sempre em vigilância para que não seja ele também subjulgado. Quanto mais terras na Casa (família) de um indivíduo maior os problemas, ou seja, quanto maior fosse o poder aquisitivo deste, maiores seriam as tentativas de ameaças de tomada dos bens. O preço pago pela segurança é mais que necessário. As despesas públicas se misturavam em meio às despesas privada de uma maneira confusa e desorientada. Evidentemente, o monopolista detém o poder por um lado, mas por outro é dependente dos demais por ter alta concentração de terras que necessitam de cuidados e proteção. Os membros da burguesia são muitos, e por isso, a condição favorável à concorrência se dá de forma livre. A burguesia consegue dividir os monopólios descentralizando o poder de um personagem, ou seja, de um rei ou príncipe que era o detentor deste monopólio. Esta divisão passa a ser realizada de maneira coletiva onde os burgueses abrem espaços para o livre comércio de seus artigos a partir de um efetivo planejamento econômico. Nesse sentido, o que antes era feito através da coerção física com a tomada de terras entre batalhas, agora passa ser planejada meticulosamente por grupos burgueses.

    Disso decorre que o monopólio em seu primeiro estágio, passou muitas para poucas mãos. Já na segunda fase, o monopólio passou da mão de poucos para muitos fazendo com que de certa forma houvesse uma democratização econômica destes monopólios antes concentrados na mão de poucos. Passa de monopólio privado para público. Há de se ressaltar que esta passagem de um para o outro compunha a participação da burguesia e não dos demais membros de uma sociedade. O investimento em uma atividade econômica alicerçada no livre comércio possibilita que um indivíduo atinja determinado êxito em seus negócios ou que por ser livre, ele possa ser exterminado por um concorrente que de alguma maneira consegue estabelecer melhores resultados com seus produtos no mercado. A tentativa de tomada de poder pelas classes menos favorecidas começou a ficar cada vez mais inviáveis devido à consolidação do poder do príncipe detentor da maioria das terras de forte força militar que o protegia, sobretudo a partir do séc. XI. Diante de tais circunstâncias, o perigo agora provinha de um vizinho que passa a querer conquistar a hegemonia em relação às outras Casas. O domínio de terras permanecia sob o caráter familiar e os campos que compunha os patrimônios de uma Casa se interligavam em um centro comum de administração do dono. Para a classe guerreira, as suas conquistas eram tão vultosas que não seria possível alguém intentar tomar sua opulência e isso tornava estes dependentes desta Casa. Quanto aos guerreiros, deveriam permanecer na mesma escala social que alcançara com seu triunfo nas disputas. Qualquer que fosse a superioridade de outra Casa em relação à desse guerreiro, automaticamente correria o risco de ser subjugado. Podemos compreender que o Direito a qualquer coisa não era existente neste período, tudo era pautado nos costumes hereditários com ascensão à posse pelo primogênito homem de uma Casa, assim como demonstrou Coulanges na Cidade Antiga. Em uma organização política pautada na monarquia, o rei é a peça mais frágil desta estrutura, pois era a minoria que com recursos se blindava de um lado e por outro era dependente das demais classes. Em um turbilhão de evoluções do campo econômico, religioso, político e cultural é que se forma a ideia de Estado na Idade Moderna.

Referências Bibliográficas

BURCKHARDT, Jacob Christoph, 1818-1897. A Cultura do Renascimento na Itália: um ensaio. Jacob Christoph Burkhardt. Tradução Ségio Tellaroli. – São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p.177-263.

DELUMEAU, Jean. Nascimento e Afirmação da Reforma. Jean Delumeau. São Paulo: Pioneira 1989. p. 59-83; 251-312.

ELIAS, Norbert. O Processo civilizador. Norbert Elias. v. 2. Tradução: Ruy Jungmann. – Rio de Janeiro: ZAHAR, 1993. p.15-22; 87-190.