Relação entre grafite, pichação e arte rupestre
Prof. Thiago Augusto Pestana da Costa
Historicamente, o homem pré-histórico ao adquirir certos domínios sobre os recursos disponíveis à sua época, buscou engendrar ferramentas que facilitassem sua vida nas suas tarefas cotidianas. O que vemos hoje com tanta abundância são fruto da evolução e aprimoramento das ferramentas primitivas utilizadas no passado. A Arte para os antigos nômades em seguida para os sedentários não era vista como Arte e sim um procedimento de registro histórico, religioso e simbólico. Classificaremos os três itens elencados acima no título de maneira individual seguido da respectiva conclusão.
Grafite
Esta modalidade é considerada um dos quatro elementos que compõe o Hip-Hop, que segundo Houaiss significa “movimento cultural da juventude pobre de algumas das grandes cidades norte-americanas que se manifesta de formas artísticas variadas (dança, rap, grafites etc.)” (HOUAISS, 2010, p. 407).
Evidencia-se nesta modalidade artística o estilo particular de cada artista que produz sua “Arte Urbana” na maioria das vezes com autorização pública ou privada para a sua produção. Não existe um padrão definido de letras ou desenhos, e na maior parte, os grafites transmitem mensagens de cunho social denunciando os problemas de uma determinada sociedade ou de manifestação em apoio a outras. As cores e as formas utilizadas no grafite acabaram com o preconceito de algumas pessoas que generalizavam – muitas ainda generalizam – o artista como mais um pichador. Hoje em dia alguns comerciantes contratam estes profissionais para realizações publicitárias de seus negócios que viam suas portas serem pichadas sempre que as pintava. A matéria prima do grafite é a tinta, sobretudo o spray que ganhou com o passar dos tempos inúmeras cores abrindo o leque de possibilidades para o grafiteiro ou artista que com criatividade e conhecimento registra nos muros sua mensagem.
Pichação
Em relação à pichação, recortaremos o tema na cidade de São Paulo. Esta modalidade de expressão nos dias atuais segue uma vertente totalmente diferente dos períodos precedentes, ou seja, durante a ditadura militar no Brasil víamos comumente a frase “Abaixo à Ditadura” como forma de protesto do movimento estudantil democrático que reivindicavam a liberdade de expressão e o fim da intervenção militar em todo o território nacional. Com o passar dos anos, a juventude contemporânea viu na pichação uma força diferente e com outros sentidos. Estava em jogo o status, a pura adrenalina e diversão. Foram criados grupos de pichação onde cada integrante reproduzia fielmente a escrita do grupo espalhando pela cidade sua marca. Em seguida, alguns locais públicos como praças ou portas de escola passaram a ser chamados de “point”, ou seja, um local onde os pichadores se encontravam para trocar suas “folhinas” – as folhinhas eram as pichações feitas por aqueles que tinham atingido um status considerável por suas pichações e eram como autógrafo aos demais pichadores iniciantes – e conversar sobre seus feitos. As chamadas “grifes” eram os símbolos criados pelos pichadores que poderiam ser passados de um mais velho a um novato devido à comprovação do último em inúmeras pichações pela cidade e até mesmo fora dela.
Para os pichadores, o “pico” – corresponde a pichação realizada no topo dos prédios públicos ou privados – era sinônimo de prestígio e coragem, fazendo com que o indivíduo atingisse grande fama entre os seus.
Nesta modalidade de expressão, o spray – com venda proibida à menores de 18 anos segundo a Lei n° 9.605/98 – não é o único aliado da pichação mas é o de maior facilidade de transporte e de dispensa em caso de intervenção policial, uma vez que a pichação é crime conforme a Lei n° 9.605/98 Art. 65; §1; §2. Contudo, os pichadores tem o interesse de verem suas marcas registradas pelo maior tempo possível e utilizas as tintas recuperadas e o Neutrol que tem em sua composição pigmentos de difícil remoção.
Arte rupestre
Podemos compreender como arte rupestre, todas as marcas deixadas por antepassados que por algum motivo descobriram um meio de reproduzir sua vida, sobretudo em cavernas e grutas. Encontramos na arte rupestre inúmeras figuras de animais, homens, mulheres e até indícios de seres antropomorfos. Estas heranças dos antepassados estão possivelmente permeadas de poder simbólico em suas imagens, ou seja, acredita-se que ao desenhar, por exemplo, um bisão, a alma deste animal estaria sob seu domínio e durante a caça não haveria o que temer, pois o principal, ou seja, a alma estava sob seu domínio. Não houve uma prova consistente acerca desta possibilidade em relação à arte rupestre do homem primitivo, porém, são hipóteses que nos convidam para uma profunda reflexão.
Diferentemente do homem contemporâneo e suas tintas prontas, os artistas rupestres se apropriavam dos recursos naturais e fisiológicas que dispunham para registrar suas impressões. A Antropologia em parceria com a Arqueologia e a História está sempre atenta aos detalhes destes registros onde novas possibilidades interpretativas podem surgir a qualquer momento dando um novo sentido ou significado para as pinturas rupestres que descrevem o cotidiano, a cultura, a crença etc. destes povos. Nos falta recursos para que seja possível se debruçar e arriscar uma leitura mais definitiva, pois assim como o artista de hoje está permeado de influências externas, as artes rupestres são fruto de um esforço interpretativo e simbólico do homem do paleolítico e neolítico que evoluiu com o passar dos séculos. A arte rupestre é vista hoje como prova visual de uma mentalidade pré-histórica não menos importante que os registros escritos posteriormente.
Conclusões
Primeiramente vale ressaltar que cada uma das manifestações artísticas aqui explicitadas é parte fundamental construída historicamente pelo homem e o espaço pelo qual ele pertence. Posto isso, devemos interpretar a relação entre elas respeitando a mentalidade do período pelo qual foi produzida a arte. Cada uma das manifestações artísticas corresponde a uma especificidade, seu estilo próprio, sendo o grafite uma elaboração urbana e com mensagens diretas aos receptores por letras desconcertantes e imagens impactantes. O grafite continua superando os preconceitos ganhando espaço em centros culturais com oficinas que ensinam esta arte aos interessados. A pichação passou de uma forma de protesto para uma ilegalidade onde os integrantes almejam seja atingir um status próprio ou coletivo no caso de uma pichação fundada por um determinado grupo. O rompimento das normas do Estado, ou se preferir a ilegalidade desta categoria, causa entusiasmo e paixão nos pichadores que querem assim como Aquiles, ter seus nomes lembrados por toda eternidade. Por outro lado a arte rupestre demonstra uma opinião cotidiana, ou seja, demonstram aspectos da civilização pré-histórica nas grutas e cavernas a partir do intuito simbolicamente relacionado à magia. Seja qual for à intenção deste, o fato é que esta arte perdura nos dias atuais nos fazendo apreciar com gosto as marcas que foram historicamente herança dos nossos antepassados, que deixaram em sua arte a prova de uma vida, da existência humana.
Em função disso devemos interpretar estas respectivas artes tanto no seu valor descritivo – iconográfico – quanto no simbólico – iconológico – sabendo que para uma melhor análise estas definições devem se conversar mutuamente e são inseparáveis. A pesquisa prévia sobre aquilo que se pretende visitar se faz necessário quando se trata de Arte. Não é possível, por exemplo, organizar uma excursão com nossos alunos para uma exposição sem ao menos saber o que vai ser exposto no dia da visita. É importante ressaltar aos nossos alunos a importância da Arte e o que ela representa do homem em cada tempo que ela foi produzida. Não existe obra de arte mal feita, e sim, mensagens mal interpretadas. Cabe a muitos críticos se posicionarem com mais rigor acerca daquilo que se pretende expor ou produzir, porém, esta crítica não muda o fato do homem registrar seus pensamentos, sua vontade, suas ideias nas obras de arte.
Referências Bibliográficas
SANTOS, M. G. V. dos. História da Arte. São Paulo: Ática, 2011. PLT 328.
Referências Virtuais
ENDO, Tatiana Sechler.
A pintura rupestre da pré-história e o grafite dos novos tempos. CELACC / ECA / USP, 2009. Disponível em: https://pt.scribd.com/doc/157955899/Tatiana-Sechler-Endo-A-Pintura-Rupestre-da-Pre-historia-e-o-Grafite-dos-Novos-Tempos-USP >. Acesso em: 03 mar. 2015.
Laucaux, visita à caverna. Disponível em: <www.lascaux.culture.fr>. Acesso em: 04 mar. 2015.
Lei 9.605/98. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12408.htm#art6>; Acesso em 09 mar. 2015.
Museu de Altamira. Disponível em <https://museodealtamira.mcu.es/>. Acesso em: 04 mar. 2015.
PANOFISKY, Erwin. Iconologia e Iconografia: uma introdução ao estudo da arte na renascença. In.: Significado nas artes visuais. São Paulo Perspectiva, 1976. pp. 47-87. Disponível em: <https://www.academia.edu/4722881/PANOFSKY_Erwin_Iconografia_e_iconologia_uma_in rodu%C3%A7%C3%A3o_ao_estudo_da_arte_da_renascen%C3%A7a_in_significado_nas_ artes_visuais._S%C3%A3o_Paulo_Perspectiva_1976._p_47-87 >. Acesso em: 03 mar. 2015.